Prestação de contas para fiscalizar pensão alimentícia

A ação de prestação de contas está prevista no Artigo 550 do Código de Processo Civil, onde aquele que afirma ser titular do direito de exigir contas requer a citação do réu para que as preste contas ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias.

A possibilidade de prestação de contas sobre obrigações alimentares vinha  sendo reiteradamente rechaçada pelos nossos Tribunais, em especial pelo  Superior Tribunal de Justiça, que tem a última palavra para interpretar matéria legislativa, em razão de sua competência constitucional trazida pelo artigo 105, inciso III da Carta Magna.

Via de regra o Superior Tribunal de Justiça entre outras analisava a  incidência do artigo 1583, § 5º, do Código Civil de 2002, Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014.

 Todavia, em que pese, esteja disposto no § 5º parágrafo do artigo 1583 do Código Civil, que: “…qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.” , fato que induzia a conclusão pela possibilidade de prestação de contas, não era esse o entendimento do STJ.

Tanto isto é verdade, que em julgado proferido em 19 de fevereiro de 2019, Publicado em 06 de março de 2019, a 3ª turma do STJ, ao julgar o RESp 1.637.378/DF, por unanimidade, decidiu que não é cabível ação de prestação de contas nas obrigações alimentares, com o voto de relatoria do Ministro Villas Bôas Cueva, que ao motivar o voto demonstrou a preocupação da multiplicação de novas ações, conforme trecho abaixo: 

 “Permitir ações de prestação de contas significaria incentivar ações infindáveis e muitas vezes infundadas acerca de possível malversação dos alimentos, alternativa não plausível e pouco eficaz no Direito de Família.”

Já em trecho final deste julgado o ministro Cueva, manifestou que a falta de comunicação entre os genitores não se solucionam por meio de ação prestação de contas: 

“A beligerância e falta de comunicação entre genitores não se solucionam por meio de prestações de contas, especialmente porque os alimentos prestados para garantir o bem estar da criança ou do adolescente não se caracterizam como relação meramente mercantil ou de gestão de coisa alheia.”

Porém, em julgado proferido no dia 26 de maio de 2020, publicado em 09 de junho de 2020, a Terceira Turma do STJ, ocorreu inovação da Jurisprudência Superior ao julgar REsp 1.814.639/RS, e por maioria de votos, decidiu possível a prestação de contas nas obrigações alimentares, em processo de Relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que votou pela improcedência do Recurso acompanhado do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, porém houve abertura de divergência do Sr. Ministro Moura Ribeiro (Presidente) acompanhado os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi. Assim, a Terceira Turma, por maioria, conheceu em parte do recurso especial e, nesta parte, deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto de divergência do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que lavrou o acórdão.

Em seu voto de divergência o ministro Moura Ribeiro, defendeu que “o pai sempre será parte legítima para solicitar prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em questões que, direta ou indiretamente, afetem a saúde física e psicológica, e a educação de seus filhos“.

Já em outro trecho o ministro Moura Ribeiro, ressaltou que é legítima a preocupação do alimentante não-guardião com o destino dado a verba alimentar, vejamos:

“…Assim, me parece ser legítima e útil a preocupação do alimentante não-guardião com o destino dado a verba alimentar que paga mensalmente. Ele precisa saber, afinal, se ela de fato está sendo utilizada para satisfação das prioridades do filho, se está atendendo a sua finalidade, e, suspeitando do contrário, poderá buscar a tutela jurisdicional, valendo-se da ação de exigir contas, fundada no § 5º do art. 1.583 do CC/02.”

O ministro Marco Aurélio Bellizze, também concordou que “o pai tem o direito de saber se o filho está tendo o devido atendimento”.

Como é comum em decisões que alteram a Jurisprudência dominante, o caso concreto daqueles autos era situação extrema em que o pai alimentante pagava pensão de valor considerável (30 salários mínimos) e o alimentado, seu filho menor de idade e especial, que nasceu com graves problemas de saúde, sendo portador de “Down”, associada com deficiência mental moderada e transtorno de desenvolvimento, necessitando de cuidados médicos constantes e especiais, ou seja, o pai pagava valor muito alto de pensão, o menor tinha grande necessidade de cuidados, sendo que o pai alegava que estava sendo negligenciado os cuidados do menor, sem ter notícia de como os recursos da pensão estavam sendo empregados. 

Porém, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, entendeu que é possível a prestação de contas com finalidade de fiscalização de obrigação alimentar a decisão abre precedentes para pedidos de situações ordinárias e não somente de situação extrema, uma vez que a decisão proferida no caso em questão, foi tomada a luz da norma contida no § 5º do art. 1.583 do CC/02, versando sobre a legitimidade do genitor não guardião para exigir informações e/ou prestação de contas contra a guardiã unilateral.

Com a mudança na Jurisprudência, será necessário a mudança de hábito do guardião dos alimentados, com maior cautela para a comprovação de gastos dos alimentados.

O ideal é que o responsável pelo alimentado, mantenha uma pasta física ou digital (com backup), contendo os comprovantes de pagamentos mensais. Também é desejável que o responsável pelo alimentado mantenha uma planilha com as despesas totais do alimentado todos meses, quer de responsabilidade do alimentante ou do próprio guardião responsável pelo alimentado, de maneira que nunca será surpreendido com eventual ação de prestações de contas ou revisionais de alimentos.

Uma comunicação clara e precisa, com informação sobre os gastos efetivos do alimentado para o alimentante, pode evitar a multiplicação de litígios, uma vez que em parte dos casos, os alimentos são fixados em porcentagem do rendimento do alimentante ou salários mínimos e o alimentante pode não ter a real noção das despesas do alimentado.

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